Qualidade de vida de pacientes com câncer gastrointestinal

Authors

  • Angélica Reis Vieira Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal
  • Renata Costa Fortes Universidade Paulista (UNIP), Campus Brasília – DF

DOI:

https://doi.org/10.51723/ccs.v26i01/02.177

Abstract

INTRODUÇÃO
O câncer se configura um dos principais problemas de saúde pública em todo o mundo. Caracteriza-se como sendo um conjunto de mais de 100 doenças, tendo em comum uma mutação de genes relacionados com o crescimento e a mitose celular, o que leva a um aumento descontrolado de células atípicas ou cancerosas1,2.

A incidência do câncer vem crescendo conforme o aumento da expectativa de vida da população. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), para 2014, houve uma estimativa de 395 mil novos casos de câncer no Brasil, com
exceção do câncer de pele não melanoma. Os tumores mais incidentes entre os indivíduos do sexo masculino são os de próstata, seguido de pulmão, colorretal, estômago e cavidade oral. 

Entre o sexo feminino, encontra-se a neoplasia de mama, colorretal, colo uterino, pulmão e glândulas da tireoide3,4.

O câncer gastrointestinal, um dos mais prevalentes entre as populações, abrange tumores que atingem desde a boca até outros órgãos, como o esôfago, estômago, intestinos delgado e grosso, vesícula biliar, fígado, pâncreas e reto.
Dentre estes, os tumores mais frequentes são o de cólon e reto, estômago, cavidade oral e esôfago 5.

Diante dos diversos tipos de tratamentos e controles disponíveis para o câncer e seus efeitos colaterais, observa-se uma grande incidência de desnutrição. Estima-se que 75% dos pacientes oncológicos já apresentam algum grau de desnutrição no momento do diagnóstico da 
doença. O estado nutricional desses pacientes 
se relaciona diretamente com o aumento da 
morbimortalidade, redução da resposta aos tratamentos, aumento do risco de infecções, custos elevados para os serviços de saúde, maior tempo de internação e redução ou piora da qualidade de vida6.

O termo “qualidade de vida”, pela Organização Mundial de Saúde (OMS), está associado à forma com que os indivíduos percebem e se posicionam frente a sua vida, em diferentes contextos e valores. A avaliação da qualidade de vida
é fundamental em pacientes oncológicos, uma vez que auxilia na avaliação dos tratamentos e intervenções, além de detectar precocemente os problemas físicos e emocionais que podem comprometer o andamento do tratamento e da sobrevida6,7.

Considerando-se as diversas alterações consequentes do câncer que proporcionam mudanças no estilo de vida dos pacientes, o objetivo do presente estudo foi investigar, na literatura, a qualidade de vida de pacientes com câncer gastrointestinal, uma vez que o aumento de sobrevida está diretamente relacionado a melhora da qualidade de vida.

MÉTODOS
Este estudo constitui-se de uma revisão de literatura sobre o tema, de artigos científicos publicados nos periódicos indexados em Pubmed/Medline, SciELO e Lilacs/Bireme, com ênfase nos últimos cinco anos (2009-2014).

Foram utilizados os artigos nos idiomas português e inglês por meio dos descritores “qualidade de vida”, “neoplasias gastrointestinais”, “neoplasias” e “caquexia” contidos no vocabulário estruturado e trilíngue DeCS – Descritores em Ciências da Saúde (http://decs.bvs.br/) e os operadores booleanos “and” e “or”. Ademais, foi pesquisado o tema abordado em livros científicos, dissertações e materiais governamentais.

Foram excluídos do estudo os materiais que continham a análise de outros tipos de câncer (que não fosse o gastrointestinal) em sua amostra, e aqueles que avaliavam crianças e adolescentes. No total foram pesquisadas 98 pu-
blicações. Destas, 57(58,16%) foram excluídas por não conterem o tema adequado ao tipo de estudo proposto e 41(41,83%) foram utilizadas, sendo 17 (41,46%) artigos originais, 14 (34,14%) revisões de literatura, 1 (2,4%) capítulo de livro, 5 (12,19%) dissertações e 4 (9,75%) materiais governamentais.

No que diz respeito ao ano dos artigos utilizados, observou-se que 7 (17,07%) foram publicados entre os anos de 2000 e 2006; 1 (2,43%) no ano de 2008; 3 (7,31%) no ano de 2009; 6
(14,63%) no ano de 2010; 2 (4,87%) em 2011; 8 (19,51%) em 2012; 3 (7,31%) no ano de 2013; e 1 (2,43%) no ano de 2014. Em relação às dissertações utilizadas, observou-se que as mesmas foram publicadas entre os anos de 2009-2013 (12,19%); o livro em 2009 (2,43%) e os materiais governamentais entre 2011-2014 (9,75%).

Observou-se que o número de publicações aumentou a partir do ano de 2012, com redução nos anos de 2000 a 2006, o que evidencia uma maior importância e interesse dos profissionais nos últimos anos em conduzir estudos sobre a qualidade de vida dos pacientes com neoplasias
malignas (Figura 1).

Os resultados e a discussão encontrados estão 
dispostos em tópicos, a saber: câncer e aspectos epidemiológicos; alterações metabólicas e imunológicas no câncer; câncer gastrointestinal; alteração no estado nutricional de pacientes com câncer gastrointestinal; qualidade de vida; e estudos sobre a qualidade de vida em câncer gastrointestinal.

Figura 1: Distribuição anual das publicações referentes a qualidade de vida e câncer gastrointestinal (n=41)

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Câncer e Aspectos Epidemiológicos

Devido aos diversos processos de urbanização e globalização, o Brasil está sofrendo diversas mudanças em suas características demográficas e, consequentemente, no perfil de morbimortalidade. Juntamente com essas mudanças, houve alterações no estilo de vida da população e maior exposição aos fatores de riscos, o que levou a uma redução na ocorrência de doenças infectocontagiosas e aumento de doenças crônico–degenerativas, dentre elas o câncer 2.
O câncer vem se tornando um grande problema de saúde pública mundialmente devido à crescente incidência e custo para tratamento e diagnóstico nas unidades de saúde. Caracteriza-se pela mutação de genes celulares envolvidos no crescimento e mitose celular, perdendo a capacidade de multiplicação normal das células, o que leva a um crescimento desordenado e invasão de tecidos e órgãos vizinhos, acarretando efeitos agressivos ao indivíduo e origem de diversas células anormais3.

A etiologia do câncer é multifatorial, sendo a maioria causada por fatores externos (80% a 90%); ou seja, por fatores que podem ser modificados e controlados como, por exemplo, tabagismo, etilismo, inatividade física, obesidade e padrão alimentar. Estima-se que cerca de 30% das mortes por câncer sejam por natureza da
alimentação. Por outro lado, as causas internas são mais raras e correspondem às causas genéticas e hormonais. Alguns tipos de cânceres possuem causas internas bem delimitadas, como o de mama, estômago e intestino3,8.

Em relação ao nível socioeconômico, observa-se que os cânceres de mama, próstata, cólon e reto atingem, na grande maioria, indivíduos com nível socioeconômico elevado. Por outro lado, os de útero, pênis, estômago e cavidade oral estão relacionados ao baixo poder aquisitivo9.

Segundo o INCA (2014), estimou-se que, para o ano de 2014, cerca de 395 mil novos casos de câncer no Brasil (com exceção do câncer de pele não melanoma) surgiriam, sendo que 204 mil seriam do sexo masculino e 190 mil do sexo feminino. Para os indivíduos do sexo masculino, o câncer com maior incidência seria o de próstata, seguido do de pulmão, cólon e reto, estômago e cavidade oral. Para o sexo feminino os cânceres de mama, cólon e reto, colo uterino, pulmão e glândula tireoide4,10.

De acordo com a Base de Dados do Departamento de Informática do Sistema único de Saúde (DATASUS), em 2012, no Brasil, foi estimado 35549 mil internações por câncer em indivíduos acima de 20 anos de idade, sendo que 17397 foram da região sudeste, 8144 na região sul, 6739 no nordeste, 2312 região centro oeste e
957 na região norte. Para o ano de 2030, estima-se que haverá 21,4 milhões de novos casos de câncer no Brasil e 13,2 milhões de mortes por esta doença 2,4,11.


Alterações Metabólicas e Imunológicas no Câncer

Pacientes com neoplasias malignas estão sujeitos a diversas alterações, não só perceptíveis, como os efeitos colaterais dos tratamentos, mas também as metabólicas, o que faz com que a terapia nutricional seja um grande desafio no
paciente oncológico12.

Os carboidratos, por exemplo, são utilizados de maneira prioritária pelas células cancerosas (de 10 a 50 vezes mais como substrato quando comparado a células normais). O organismo, a fim de não abaixar os níveis de glicose no organismo, apresenta um mecanismo de compensação, aumentando a gliconeogênese hepática. Além disso, em pacientes oncológicos, é comum se ter uma resistência à insulina devido a uma redução da sensibilidade dos tecidos periféricos 12,13.

No que diz respeito aos lipídeos, há uma perda maior de tecido adiposo nos pacientes oncológicos, pois há um aumento da lipólise e redução da lipogênese devido à diminuição dos níveis de lipase lipoprotéica e liberação de fatores 
tumorais lipolíticos. Especificamente em pacientes com câncer gastrointestinal é comum verificar casos de hipertrigliceridemia, hipercolesterolemia e aumento de ácidos graxos livres e glicerol12.

Em relação às proteínas, há um maior catabolismo das mesmas, pois os aminoácidos são utilizados para fornecer glicose, por meio da gliconeogênese, resultando em depleção de massa muscular. A depleção de massa muscular ocasiona um retardo na reparação tecidual, aumento no risco de infecções e redução da capacidade funcional12.

No que concerne ao gasto energético, observa-se que o aumento do mesmo depende do local onde o tumor é acometido, estadiamento e formas de tratamento empregadas. Em pacientes oncológicos, o gasto energético de repouso pode aumentar de 60% a 150%14,15.

O câncer vem sendo associado ao processo inflamatório crônico. Durante o mecanismo carcinogênico, há uma infiltração de citocinas pró inflamatórias, como fator de necrose tumoral (TNF-α) e interleucinas (IL), que favorecem a 
diferenciação celular, metástases, crescimento e proliferação das células tumorais12,15.
A TNF-α, por exemplo, é uma citocina associada ao processo de caquexia, onde induz a uma redução da ingestão alimentar e balanço nitrogenado negativo, e está associada ao aumento da lipólise, pois inibe a lipase lipoprotéica e proteólise, além de aumentar a concentração de cortisol e glucagon e reduzir a insulina12,14. Tabela 1).
A interleucina 1 (IL-1) e interleucina 6 (IL-6) são outros tipos de citocinas conhecidas como indutoras da caquexia, pois induzem a redução da ingesta alimentar e água, além de alterar a síntese proteica hepática. Os valores aumentados destas citocinas podem estar associados à progressão de alguns tipos de tumores 12,14. (Tabela 1).

Além das citocinas, existem outros fatores que podem interferir no processo da caquexia e, consequentemente, tumoral, como os neuropeptídios centrais e gastrointestinais, como a leptina, neuropeptídeo Y (NPY), grelina e a insulina12,14,15.

A leptina é um regulador de apetite (reduz o apetite) e sua concentração é proporcional aos níveis de tecido adiposo. Quando se tem uma perda ponderal ou restrição energética, os níveis de leptina, como os de insulina, tendem a reduzir, ocasionando, como mecanismo compensatório, uma inibição de sinais anorexí-
genos e um estímulo de sinais orexígenos. No entanto, em pacientes oncológicos, os níveis de  leptina estão elevados, uma vez que as citocinas comprometem o mecanismo compensatório12,14,15. (Tabela 1).

A grelina, por outro lado, é um hormônio anabólico e regulador de apetite, e tem sido considerado como benéfico para o tratamento da caquexia, uma vez que o mesmo bloqueia a produção de citocinas anorexígenas, como a IL-1, IL-6 e TNF-α. Em pacientes oncológicos, os níveis de grelina se encontram elevados14,16. (Tabela 1).

O NPY é um estimulador do apetite, ativado pela redução da leptina. Leva a um aumento da ingestão de alimentos, redução do gasto energético, aumento da lipogênese e inibição da lipólise. No processo tumoral, os níveis se encontram
reduzidos, ao contrário no que se observa em casos de jejum, onde os níveis se encontram elevados12,15. (Tabela 1).

Câncer Gastrointestinal

Dentre os diversos tipos de cânceres, os do trato gastrointestinal são uns dos mais incidentes. Consiste em uma neoplasia maligna que pode afetar o esôfago, o estômago, o intestino delgado, a vesícula biliar, o fígado, o pâncreas, o có-
lon e reto. Dentre eles, os mais incidentes na população, mundialmente, são os de cólon e reto, estômago e esôfago17.

O câncer gástrico é o terceiro tipo de neoplasia maligna mais incidente na população brasileira masculina e o quinto na feminina, sendo a segunda maior causa de morte por câncer verificado no mundo. Segundo o INCA, espera-se
que, no ano de 2014, tenham 20390 novos casos, sendo que 12870 do sexo masculino e 7520 do sexo feminino, com média de idade superior aos 50 anos 4,5,17,18,19.

O prognóstico do paciente oncológico está relacionado ao grau de estadiamento tumoral, sendo que quanto menor o estádio maior é a sobrevida do indivíduo. No Brasil, cerca de 10% a 15% dos casos de neoplasias gástricas são diagnosticados precocemente, levando a níveis de sobrevida inferiores a 30%. Os melhores índices
de sobrevida estão relacionados às neoplasias restritas à mucosa e submucosa (denominados de restritos), diferentemente dos avançados, que há uma penetração na camada muscular própria20.

A neoplasia gástrica pode se apresentar em três tipos histológicos, sendo o adenocarcinoma o mais incidente, correspondendo a 95% dos casos, além de linfoma (3%) e leiomiossarcoma (2%). As causas são multifatoriais e estão relacionadas ao maior consumo de alimentos ricos em nitrito e nitrato, cloreto de sódio, bebidas alcoólicas, além de tabagismo, presença da bactéria Helicobacter pylori, gastrite atrófica, anemia perniciosa, genética, baixo consumo de frutas e hortaliças, fibras, carotenoides e vitaminas C e E 2,4,5,17,19.

Em relação aos sintomas, observa-se, na maioria dos casos, perda ponderal involuntária, fadiga, distensão abdominal, vômitos, náuseas, melanoma e melena. O tratamento se baseia, principalmente, em método cirúrgico, gastrectomia subtotal ou total, sendo coligado à retirada dos linfonodos, com associação ou não à quimioterapia e radioterapia para melhores respostas ao tratamento2,4,5,17,19.

Outra neoplasia muito prevalente na população é o câncer de cólon e reto, correspondendo ao terceiro tipo mais incidente em ambos os sexos e o responsável por cerca de 8% dos óbitos por câncer. Estimou-se que para o ano de 2014 haveria 32600 novos casos no Brasil, sendo que 15070 do sexo masculino e 17530 do sexo feminino2.

Dentre os fatores de risco, encontram-se o alto consumo de alimentos com gorduras saturadas, baixa ingestão de frutas, vegetais e cereais, alcoolismo, tabagismo, sedentarismo, genética, baixo consumo de cálcio, idade superior a 50
anos, presença de obesidade, retocolite ulcerativa e doença de Crohn. Em relação aos sintomas, os mais frequentes são a diarreia ou constipação, flatulências, melena, perda ponderal, vômitos, náuseas e desconfortos ao evacuar2,5.

Quanto ao câncer de esôfago, este é o sexto tipo mais frequente de neoplasia entre os homens e o 15º entre as mulheres, com um alto índice de letalidade. Segundo o INCA, no ano de 2014 se espera 10780 novos casos, sendo 8010 para
homens e 2770 para mulheres. 96% dos casos desta neoplasia são do tipo de epidermóides, ou seja, aqueles que predominam nas porções superiores e médias do esôfago, onde possuem íntimas relações com o alcoolismo e tabagismo. O tabagismo eleva em 20 vezes o risco de desenvolvimento da doença. Outro tipo, e menos frequente, é o adenocarcinoma que se apresenta na parte distal e possui relação com a obesidade. O risco de se desenvolver este tipo de doença aumenta em cerca de 40 vezes em indivíduos com IMC acima de 30 kg/m2 2, 21,22.

Dentre os fatores de risco para o câncer esofágico se encontram o consumo excessivo de bebidas alcoólicas, bebidas com temperaturas elevadas, nitritos, deficiências de nutrientes (zinco, selênio e vitamina A), obesidade, tabagismo, baixo nível socioeconômico e baixo consumo de hortaliças e frutas, além de infecções pelo papiloma vírus humano, acalasia e esôfago de barret 2,19.

Quanto ao diagnóstico, observa-se que, na maioria dos casos, o mesmo é tardio pois os sintomas se apresentam somente quando o tumor está mais avançado, acarretando disfagias, odinofagias, oclusões e, consequentemente, perda
ponderal, vômitos e sangramentos23.

Alteração no Estado Nutricional de Pacientes com Câncer Gastrointestinal

Os pacientes com câncer gastrointestinal, assim como outros tipos de câncer, devido aos tratamentos que estão expostos e ao próprio catabolismo da doença apresentam diversas alterações fisiológicas, metabólicas, sociais e emocionais. Tais alterações podem levar a diversas consequências, dentre elas a desnutrição, que 
pode ser agravada com os tratamentos cirúrgicos, quimioterapia, radioterapia, estadiamento do tumor e órgão acometido 24.

No momento do diagnóstico, estima-se que 80% dos indivíduos já apresentam algum grau de desnutrição, devido a um desequilíbrio entre ingestão e necessidade energética aumentada. A desnutrição em pacientes adultos com diagnóstico de câncer pode variar entre 40% e 80%, enquanto que em crianças estes valores variam entre 6% e 50%. Observa-se que a desnutrição é mais incidente em cânceres que acometem cabeça e pescoço e trato gastrointestinal superior, devido aos efeitos adversos mais intensos provocados por estes tipos de cânceres, como a disfagia, odinofagia e vômitos, que irão comprometer a ingestão alimentar e, consequentemente, o estado nutricional 16,24.

Segundo o Inquérito Brasileiro de Avaliação Nutricional Hospitalar (IBRANUTRI), onde foram analisados 4000 pacientes em 25 hospitais da rede pública em 12 estados e no Distrito Federal, cerca de 20,1% dos pacientes tinham como  diagnóstico clínico o câncer e, desses, 66,4% apresentaram desnutrição, com 45,1% de grau moderado e 21,3% grave12.

Nos pacientes oncológicos, quando a desnutrição é acompanhada de anorexia, observa-se uma perda ponderal espontânea e não intencional e astenia culminando com a caquexia. As principais diferenças entres estas é que a desnu-
trição possui como prioridade a degradação de gorduras, poupando massa magra, ao contrário da caquexia, que a mobilização é igual entre massa gorda e magra24,25.

A caquexia pode ser dividida em 3 fases, compreendendo a pré caquexia, caquexia e a caquexia refratária. A primeira fase caracteriza-se pela perda ponderal involuntária de 5% em 6 meses, juntamente com sintomas da anorexia, como baixa ingestão alimentar (inferior a 70% das recomendações) e anemia. Já na segunda fase, observa-se uma perda ponderal de 5% em um período de igual ou inferior a um ano, ou quando o IMC está abaixo de 20Kg/m2, associado a alterações bioquímicas, como hipoalbuminemia (nível inferior a 3,2g/dL), hemoglobina baixa (inferior a 12g/dL) e aumento de marcadores de inflamação, como a proteína C reativa e a IL-6. Por fim, a terceira e última fase, a caquexia refratária, compreende aos tipos de cânceres mais avançados, onde caracteriza-se
pela perda ponderal e hipercatabolismo não responsivos aos tratamentos utilizados, além de baixa expectativa de vida25.

A desnutrição leva a diversas consequências, além das alterações emocionais, fisiológicas, anatômicas e sociais, como por exemplo o maior tempo de internação hospitalar, elevado risco de infecções, aumento de morbimortalidade, depressão, mudança no estilo de vida e contexto social, assim como uma redução da qualidade de vida. Ademais, somente a palavra “câncer” já traz consigo, historicamente, uma relação de morte, o que colabora para tal fato 12,24,26

Qualidade de Vida
Nos últimos tempos, o conceito de saúde vem sendo reformulado, onde passa a não ser visto somente como uma ausência de doenças. A saúde é compreendida como sendo um “estado de completo bem estar físico, mental e social e não somente a ausência de doenças”; ou seja, o conceito vem se tornando mais amplo, denominando-se qualidade de vida relacionada à saúde27.

Segundo a OMS(1995), qualidade de vida se define como sendo:

“A percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto cultural e sistema de valores em que vive, e em relação a suas metas, expectativas, parâmetros e relações sociais. É um conceito de larga abrangência, afetando de modo complexo a saúde física da pessoa, seu estado psicológico, nível de independência, relacionamento social e suas relações com características do ambiente“.

A avaliação da qualidade de vida de pacientes oncológicos, especificamente, é fundamental para se avaliar a eficácia e impactos de tratamentos e intervenções realizadas nos pacientes, além de se comparar procedimentos para o controle de morbimortalidades, planejar os melhores procedimentos e cuidados paliativos
e detectar precocemente problemas emocionais e físicos. Diante disso, a qualidade de vida se configura em um importante indicador da resposta do paciente ao tratamento e à própria doença 7.

Para se avaliar a qualidade de vida de pacientes oncológicos, são disponíveis, atualmente, diversos métodos subjetivos, como os questionários, específicos para pacientes oncológicos. Dentre eles, estão o European Core 30 (EORTC – QLQ – C30), McGillQualityof Life Questionnaire (MQQL), Functional Assessment of Cancer Therapy (FACT), Medical Outcomes Stydy 36 (SF-36) e Word Health Organization Quality of Assessment (WHOQOL-100). Vale salientar que nenhum desses questionários são direcionados para pacientes com cuidados paliativos 26,28

O QLQ-30 é um questionário validado pela Organização Europeia de Pesquisa e Tratamento do Câncer. Consiste em 30 questões com 5 escalas funcionais (função física, cognitiva, emocional, social e desempenho de papéis); três escalas 
de sintomas (fadiga, dor, náuseas e vômitos); uma escala de impacto financeiro do tratamento e doença; uma escala de estado geral de saúde; e cinco dos principais sintomas relatados pelos pacientes oncológicos (dispneia, insônia, perda de apetite, diarreia e constipação) 29,30.

Neste método, os resultados variam do score 0 ao 100, onde quanto mais próximos de 100, maior a qualidade de vida, com exceção de dificuldades financeiras e sintomas, que quanto mais próximo de 100 menor é a qualidade de
vida. Existem alguns módulos deste que são direcionados para alguns tipos de cânceres específicos, como o QIQ H&n35 para o câncer de cabeça e pescoço e o EORTC QLQ-BR23 para o câncer de mama29,30,31.

Outro questionário também utilizado e de fácil aplicação é o SF-36, que consiste em 11 questões, com 36 perguntas ao total, distribuídas em 8 escalas, englobando a capacidade funcional, aspectos físicos, dor, estado geral de saúde, vitalidade, aspectos sociais, aspectos emocionais e saúde mental. Seus resultados são classificados em scores de 0 a 100, onde 0 corresponde ao pior estado geral de saúde e 100, melhor estado geral de saúde 32.

A OMS também elaborou um questionário para avaliar a qualidade de vida, o WHOQOL-100, consistindo em 100 questões, com 6 domínios (físico, psicológico, nível de independência, relações sociais, meio ambiente e espiritualidade/religiosidade/crenças pessoais). Estes domínios são distribuídos em 24 facetas, e uma, que corresponde à qualidade de vida no geral. No entanto, por ser um instrumento muito extenso, houve a necessidade de se reformular,
desenvolvendo outra versão, o WHOQOL-bref. O WHOQOL-bref é um instrumento composto por 26 questões, correspondendo a 2 questões de qualidade de vida no geral e as demais correspondendo a cada uma das 24 facetas que continha o instrumento original 10,33.
Estudos sobre a Qualidade de Vida em Câncer Gastrointestinal
Atualmente, existem diversos estudos que avaliam a qualidade de vida de pacientes oncológicos. Contudo, a maioria é direcionada para o câncer de mama e para pacientes atendidos em âmbito ambulatorial, ou seja, aqueles não internados. No entanto, entre os estudos que englobam os cânceres gastrointestinais, o câncer colorretal é o mais encontrado, provavelmente por este ser o tipo de neoplasia mais incidente entre os gastrointestinais.

Michelone e Santos 26 conduziram um estudo para avaliar a qualidade de vida de 48 adultos com câncer colorretal com e sem ostomia por meio do questionário WHOQOL-bref. Os autores verificaram melhores scores de qualidade de vida nos pacientes sem estomia quando comparados aos com estomia, porém, essa diferença não foi estatisticamente significante. A dor e o desconforto pioraram a percepção de qualidade de vida desses pacientes, ao contrário das atividades rotineiras e possibilidades de se movimentar. Os resultados sugerem que a qualidade de vida destes pacientes é influenciada pela presença de estomias (Tabela 2). 

Attolini e Gallon 34 observaram a qualidade de vida de 20 pacientes com câncer colorretal colostomizados em um ambulatório da Universidade de Caxias do Sul, por meio do questionário WHOQOL-bref. Os domínios que mais contribuíram para a piora da qualidade de vida foram os de relações sociais. Ademais, houve relação
entre pior qualidade de vida e maior IMC dos pacientes. Não houve diferenças significativas em relação às outras correlações, além de sexo e tempo de uso da bolsa de colostomia (Tabela 2).
Chaves e Gorini 35 avaliaram a qualidade de  vida de 48 indivíduos com câncer colorretal atendidos em ambulatório para o tratamento quimioterápico, por meio do questionário WHOQOL-bref. Verificaram que os pacientes avaliaram positivamente a qualidade de vida, apesar de não estarem satisfeitos com à saúde.
Os menores scores foram obtidos no domínio psicológico, justiçado pelas angústias e tormentos enfrentados pela própria doença. Por outro lado, o domínio com maior score foi o de relação social, o que pode justificar um maior apoio dos
familiares para com os pacientes. Em relação, a presença de colostomia, observou-se piora da qualidade de vida, interferindo na auto estima, aparência e imagem corporal (Tabela 2).

Fortes et al 36 analisaram a qualidade de vida de 39 pacientes com câncer colorretal, na presença de colostomias definitivas e temporárias, por meio do questionário WHOQL-bref. Constatou-se que, em relação a ansiedade, mau humor
e depressão, a maioria dos indivíduos (80%) em ambos os tipos de colostomias apresentou esses sintomas. Em relação ao sexo, observou-se que, em ambos os grupos, os indivíduos tinham medo de iniciar uma relação, sendo que 79,5%
não tinham um parceiro fixo. Quanto a força para a realização das atividades diárias, 50% de ambos os grupos relataram satisfação, mostrando que a bolsa de colostomia pode influenciar as atividades cotidianas dos indivíduos. No que diz respeito a qualidade de vida geral, notou-se que foi considerada ruim em 53,8% dos colostomizados definitivos e 46,2% nos temporários (Tabela 2).

Pereira et al 32 analisaram e compararam a QV dos pacientes com neoplasia de esôfago (adeno-carcinoma e carcinoma epidermoide) utilizando o questionário SF-36. Os scores mais baixos foram em relação às limitações físicas e emocionais, o que indica dificuldades no trabalho e no cotidiano, em virtude das limitações nas
funções físicas e emocionais. Em contrapartida, o melhor score foi relacionado a capacidade funcional para o câncer adenocarcinoma, o que nos sugere que este tipo seja mais hábil a realizar as atividades físicas, incluindo as mais intensas. Ademais, não houve associação entre a qualidade de vida e sintomas (disfagia, odinofagia, anorexia, náuseas e vômitos), apesar de estes dados terem sido relatados nestes tipos de câncer (Tabela 2).

Kimura et al 37 avaliaram a QV de 54 pacientes com câncer colorretal estomizados, por meio do questionário WHOQOL-BREF. Observou-se neste estudo que só pelo fato de se realizar uma cirurgia, há interferência na qualidade de vida, independentemente do tempo de permanência do estoma no indivíduo. A qualidade de vida geral da amostra foi considerada como ruim (48,16%), o que indica que há interferências importantes na percepção da qualidade de
vida devido às alterações que a ostomia provoca, como distúrbios do sono, falta de mobilidade, mudanças da imagem corporal, na capacidade de trabalho, além de dor e desconforto (Tabela 2).

 

Downloads

Download data is not yet available.

Author Biographies

Angélica Reis Vieira, Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal

Programa de Residência em Nutrição Clínica, Hospital Regional da Asa Norte, Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal. Brasília – DF, Brasil.

Renata Costa Fortes, Universidade Paulista (UNIP), Campus Brasília – DF

Curso de Nutrição, Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Paulista (UNIP), Campus Brasília – DF.

References

1. Cozeratoolini R, Weirichgallon C. Qualidade de Vida e Perfil Nutricional de Pacientes com Câncer ColorretalColostomizados. Rev. Bras. Coloproct, 2010; 30 (3) 289-298.
2. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer. Tipos de Câncer. Rio de Janeiro. [Citado em 9 de junho de 2014]. Disponível em: http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/tiposdecancer/site/home.3. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. ABC do Câncer – Abordagens Básicas para o Controle do Câncer. Rio de Janeiro: INCA, 2011.
4. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Estimativa 2014 – Incidência de Câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA, 2014.
5. Melo M M; Nunes L C; Leite I C G. Relação entre Fatores Alimentares e Antropométricos e Neoplasias do Trato Gastrointestinal: Investigações Conduzidas no Brasil. Rev. Brasileira de Cancerologia 2012; 68 (1) 86-96.
6. Borges L R, et al. Can Nutritional status influence the quality of life of câncer patients? Rev. Nutr 2010; 23 (5).
7. Gomes J S, et al. Qualidade de Vida na Oncologia: Uma Revisão Bibliográfica. Rev. Contexto e Saúde 2011; 10 (20) 463-472.
8. Cuppari L. Nutrição nas Doenças Crônicas Não Transmissíveis. São Paulo: Editora Manole; 2009.
9. Rosas, et al. Incidência de Câncer no Brasil e o Potencial Uso dos Derivados de Isantinas na Cancerologia Experimental. Rev. Virtual Quim 2013; 5 (2) 243-265.
10. Pedroso B et al. Cálculo dos escores e estatística descritiva do WHOQOL-bref através do Microsoft Excel. Programa de Pós– graduação em Engenharia de Produção – Laboratório de Qualidade de Vida [Universidade Tecnológica Federal do Paraná]; 2010; 2 (1) 31-36.
11. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Inquérito Brasileiro de Nutrição Oncológica. Rio de Janeiro: INCA, 2013.
12. Silva M P N. Síndrome da Anorexia-Caquexia em Portadores de Câncer. Rev. Brasileira de Cancerologia 2006; 52 (1) 59-77.
13. Toscano B A F, et al. Câncer: implicações nutricionais. Rev. Com Ciências Saúde 2008; 19 (2) 171-180.
14. Cavalcante T M R, Fortes R C. Kimura C A. Qualidade de Vida de Pacientes Oncológicos Estomizados. Nutrição Brasil 2012; 11 (1).
15. Kowata C H, et al. Fisiopatologia da Caquexia no Câncer: Uma Revisão. Arq. Ciênc. Saúde UNIPAR, 2009; 13 (3) 267-272.
16. Souza A S, Fortes R C. Qualidade de Vida de Pacientes Oncológicos: Um Estudo Baseado em Evidências. Revista de Divulgação Científica Sena Aires, 2012; Julho – Dezembro (2) 183-192.
17. Mello B S, et al. Pacientes com Câncer Gástrico Submetidos à Gastrectomia. Rev. Gaúcha Enferm, 2010; 31 (4) 803-811.
18. Eifler L S. Estadiamento e Sobrevida no Câncer Gástrico: Papel do Fator de Crescimento Endotelial Vascular. [Dissertação de Pós Graduação]. Porto Alegre, 2012.
19. Filho R F; Martinez J C. Caracterização das Neoplasias Malignas de Esôfago e Estômago no Conjunto Hospitalar de Sorocaba. Rev. Fac. Cienc. Med. Sorocaba, 2014; 16 (1) 19-21.
20. Coimbra F J F. Diagnóstico Precoce em Câncer Gástrico – Importância, Desafios no Brasil e a Experiência Oriental. Rev. Onco. Maio/Junho, 2012.
21. Queiroga R C, Pernambuco A P. Câncer de Esôfago: Epidemiologia, Diagnóstico e Tratamento. Rev. Brasileira de Cancerologia 2006; 52 (2) 173-178.
22. Lacerda C F. Câncer de Esôfago, da Clínica à Biologia Molecular. Rev. Onco. Novembro/Dezembro, 2013.
23. Monteiro N M L, et al. Câncer de Esôfago: Perfil das Manifestações Clínicas, Histologia, Localização e Comportamento Metastático em Pacientes Submetidos a Tratamento Oncológico em um Centro de Referência em Minas Gerais. Rev. Brasileira de Cancerologia 2009; 55 (1) 27-32.
24. Smiderle C A, Gallon C W. Desnutrição em Oncologia. Revisão de Literatura. Rev. Bras. Nutr. Clin 2012. 27 (4) 250 – 256.
25. Silva A C, Alves R C, Pinheiro L S. As Implicações da Caquexia no Câncer. E-Scientia, 2012; 5 (2) 49-56.
26. Michelone A P C, Santos V L C G. Qualidade de Vida de Adultos com Câncer Colorretal com e sem Ostomia. Rev Latino-am Enfermagem 2004; 12 (6) 875-883.
27. Fernandes I I B, Vasconcelos K C, Silva L L L. Análise da Qualidade de Vida Segundo o Questionário SF-36 nos Funcionários da Gerência de Assistência Nutricional (GAN) da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará. [Trabalho de Conclusão de Cusro]. Universidade da Amazônia - Belém, 2009.
28. Nunes N A H. Qualidade de Vida de Pacientes Brasileiros com Câncer Avançado: validação do european organization for research and treatmentof câncer quality of life questionnarie core 15 pal (EORTC-QLQ-C15-PAL). [Dissertação de Mestrado]. Universidade de Guarulhos. 2013.
29. Ferreira D B. Qualidade de Vida em Pacientes em Tratamento de Câncer de mama – Associação em Rede Social, apoio social e Atividade Física. [Dissertação]. Fundação Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, 2011.
30. Almeida M B A, Gutierrez G, Marques R. Qualidade de Vida – Definições, Conceitos e Interfaces com outras Áreas de Pesquisa. Universidade de São Paulo. Escola de Artes, Ciências e Humanidades, 2012.
31. Tentardini F T. Estudo longitudinal da qualidade de vida e das condições de saúde bucal após o tratamento do câncer de cabeça e pescoço. [Dissertação de Pós Graduação]. Rio Grande do Sul, 2010.
32. Pereira M R, Lopes L R, Andreollo N A. Qualidade de Vida de Doentes Esofagectomizados: Adenocarcinoma Versus Carcinoma Epidermoide. Rev. Col. Bras. Cir 2013; 40 (1) 3-10.

Published

2018-04-25

How to Cite

1.
Vieira AR, Fortes RC. Qualidade de vida de pacientes com câncer gastrointestinal. Com. Ciências Saúde [Internet]. 2018 Apr. 25 [cited 2024 Jul. 3];26(01/02). Available from: https://revistaccs.escs.edu.br/index.php/comunicacaoemcienciasdasaude/article/view/177

Issue

Section

Saúde Coletiva

Most read articles by the same author(s)