Perfil epidemiológico e preditores de mortalidade de uma unidade de terapia intensiva geral de hospital público do Distrito Federal

Authors

  • Cláudio Mares Guia Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) e Hospital Regional do Paranoá (SES-DF)
  • Rodrigo Santos Biondi Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) e Hospital Santa Helena-DF
  • Sidney Sotero Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) e Hospital Regional do Paranoá (SES-DF)
  • Alexandre de Almeida Lima Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) e Hospital Regional do Paranoá (SES-DF)
  • Karlo Jozefo Quadros de Almeida Coordenação de Pesquisa e Comunicação Científica da Escola Superior de Ciências das Saúde (CPECC/ESCS/FEPECS/ SES-DF)
  • Fábio Ferreira Amorim Coordenação de Pós graduação e Extensão da Escola Superior de Ciências das Saúde (CPEx/ESCS/FEPECS/ SES-DF)

DOI:

https://doi.org/10.51723/ccs.v26i01/02.156

Abstract

Introdução
A medicina intensiva vem apresentando avanços significativos nas últimas décadas. As unidades de terapia intensiva (UTI) cresceram consideravelmente
e tornaram-se responsáveis por grande parte do consumo de recursos dos sistemas de saúde. Como exemplo, cita-se que os gastos financeiros relacionados as internações em UTI atualmente representam aproximadamente 1% do produto interno bruto nos EUA.
Nesse sentido, torna-se importante conhecer o perfil epidemiológico dos pacientes assistidos na UTI com o intuito de planejar ações para a melhoria da qualidade dos cuidados ao usuário e maior eficiência no uso de recursos1-5.
Outro aspecto importante é a transição demográfica e o consequente envelhecimento da população mundial, que tem determinado uma mudança no perfil dos pacientes internados nas UTI. Estudos recentes mostram que atualmente cerca de 60% dos leitos de UTI são ocupados por pacientes acima de 65 anos e há uma projeção de um aumento progressivo ao longo dos próximos anos. Esse fato tem refletido na elevação da demanda por assistência a saúde e consequentemente do custo financeiro do setor saúde, especialmente no que se refere a medicina intensiva, pois as diárias de internação em UTI em pacientes acima de 75 anos chegam a ser 7 vezes superiores às de pacientes com idades inferiores a 65 anos5-7.
O objetivo deste estudo é descrever os dados epidemiológicos e principais desfechos de pacientes admitidos na unidade de terapia intensiva de um hospital público de Brasília-DF e também avaliar variáveis associadas à mortalidade.
Métodos
Estudo observacional retrospectivo realizado na UTI dos Hospital Regional do Paranoá, Brasília, Distrito Federal (DF). Foram incluídos todos pacientes admitidos no período de abril de 2004 a março de 2009. Trata-se de uma UTI com 7 (sete) leitos, que atende a pacientes clínico-cirúrgicos adultos. Não houve critérios de exclusão. Foi incluída toda a população admitida na UTI no período do estudo.
As variáveis estudadas foram idade, gênero, local de residência, motivo da internação, escore Acute Physiology and Chronic Health Evaluation II (APACHE II), dependência para mobilidade previamente à internação na UTI, uso de aminas vasoativas, necessidade de ventilação mecânica invasiva (VMI), tempo de ventilação mecânica, úlcera de pressão no momento da admissão e alta da UTI, tempo de internação e evolução na UTI (alta, transferência ou óbito).
Média e desvio-padrão foram calculados para variáveis contínuas com distribuição normal. Variáveis qualitativas ou categóricas foram estudadas de acordo com a frequência e distribuição de proporções. O teste de Kolmogorov--Smirnov foi utilizado para avaliar a normalidade dos dados. Variáveis contínuas com
distribuição normal foram comparadas por meio do teste T de Student. Variáveis contínuas sem distribuição normal foram comparadas pelo teste de Wilcoxon-Mann-Whitney. Variáveis categóricas foram comparadas pelo teste do qui-quadrado (X2), incluindo o teste de Fischer.
O critério de significância estatística adotado foi de 5% (p<0,05). Para análise dos dados, utilizou-se o software Statistical Package for the Social Science (SPSS) versão 19.0.
Resultados
Foram incluídos 189 pacientes. APACHE II médio foi de 31,6±10,6e 56,6% (N=107) eram do gênero feminino. A idade média foi de 77,4±10,9 anos. A maioria dos pacientes eram idosos, sendo que 179 apresentavam idade superior a 60 anos (94,6%) e 71 (37,5%) acima de 80 anos. Somente 1 paciente (0,6%) tinha idade inferior a 50 anos (tabela 1).

 

Os principais motivos de internação na UTI foram doenças respiratórias (28,6%, N=54), fratura de quadril (27,5%, N=52) e doenças cardiovasculares (15,6%, N=30). 162 pacientes (85,7%) eram procedentes das cidades satélites que compõem o DF, 10(5,7%) da Região Administrativa de Brasília, 5 (2,6%) das regiões do
entorno do DF e 12 (6,3%) de outras localidades (tabela 1).
Quanto a independência para mobilidade prévia à internação na UTI, apenas 16,4% (N=31) eram independentes, isto é, não necessitavam de auxílio para locomoção e 83,6% (N=154) apresentavam algum grau de dependência:
115 (60,8%) dependiam parcialmente de outra pessoa para locomoção, 32 (N=16,9%) estavam restritos à cadeira e 7 (3,8%) restritos ao leito (tabela 1).
No momento da admissão na UTI, úlcera de pressão foi observada em 12,2% dos pacientes (N=23) (tabela 1) e esteve associada à dependência para mobilidade do paciente (13,6% versus 3,2%, p=0,00) (tabela 2). Pacientes sem dependência para mobilidade tiveram 13,6 vezes mais chance de não ter úlcera de pressão na admissão na UTI do que os pacientes restritos à cadeira. Já pacientes dependentes parcialmente tiveram 5,4 vezes mais chance de não ter úlcera de pressão na admissão na UTI do que os pacientes restritos à cadeira.

Durante a internação na UTI, 50,8% (N=96) dos pacientes necessitaram utilizar aminas vasoativas e 56,6% (N=107) ventilação mecânica invasiva (VMI). O tempo médio de VMI foi de 8,5±9,2 dias, sendo menor que 1 semana em 21,7% (N=41), entre 1 e 2 semanas em 10,6% (N=20), entre 2 e 3 semanas em 20,6% (N=39) e
maior que 3 semanas em 4,2% (N=8) (tabela 3).

O tempo de internação na UTI foi de 13,1±6,1 dias: 45,5% (N=86) ficaram internados por menos de 1 semana, 21,7% (N=41) por 1 a 2 semanas e 32,8% (N=52) por mais de 2 semanas. A mortalidade na UTI foi de 38,6% (N=73).
No momento da alta na UTI, 18,0% (N=34) dos pacientes apresentavam úlcera de pressão (tabela 3), que associou-se à dependência para mobilidade anteriormente à admissão na UTI (20,1% versus 6,5%, p=0,01) (tabela 4) e ao tempo de internação na UTI (40,3% nos pacientes internados acima de 2 semanas versus 7,6% nos pacientes internados abaixo de 2 semanas, p=0,00)(tabela 5). A chance dos pacientes independentes não terem úlcera de pressão na alta
da UTI foi 8,7 vezes maior do que nos pacientes restritos à cadeira, do mesmo modo dependentes parciais também apresentaram maior chance (3,5 vezes) do que os restritos à cadeira. Os pacientes que ficaram internados por menos de 1 semana e aqueles que ficaram de 1 a 2 semanas tiveram 13,8 e 4,9 vezes, respectivamente, mais chance de não apresentar úlcera de pressão na alta da UTI do que os pacientes que ficaram internados por mais de 2 semanas.

APACHE II foi maior nos pacientes que necessitaram de VMI (34,0±10,6 versus 28,5±9,8, p=0,00) e tempo de internação na UTI acima de 2 semanas (34,4±10,9 versus 27±8 dias, p=0,03). A mortalidade foi de 38,6% (N=73). Em comparação aos pacientes sobreviventes, o grupo de pacientes não sobreviventes apresentou
maiores escores APACHE II (36,5±10,8 versus 28,1±9,4, p=0,00), tempo de internação na UTI acima de 2 semanas (45,2% versus 30,2%, p=0,04), dependência para mobilidade (48,8% versus 8,2%, p=0,04), necessidade de aminas vasoativas (71,4% versus 14,4%, p=0,00) e uso de VMI (69,5% versus 8,9%, p=0,00). Houve
ainda associação entre o motivo de internação e a evolução do paciente, sendo a mortalidade de 30,1% (N=27) nas doenças respiratórias, 16,4% (N=12) nas doenças cardiovasculares e 13,7% (N=10) nas causas ortopédicas como fratura de quadril (p=0,00). Os pacientes que não necessitaram de VMI tiveram 23 vezes mais chance de melhora do que aqueles que fizeram necessitaram de VMI, do mesmo modo, pacientes que não fizeram uso de aminas vasoativas
tiveram 14 vezes mais chance de sobrevida do que aqueles que fizeram uso. Em relação à capacidade funcional prévia à internação na UTI, os pacientes independentes tiveram 4,8 vezes mais chance de sobreviver do que os restritos à cadeira e 19 vezes mais chances do que os restritos ao leito. Idade (p=0,82), local de residência (p=0,40) e gênero (p=0,71) não estiveram associados a mortalidade.

 

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Author Biographies

Cláudio Mares Guia, Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) e Hospital Regional do Paranoá (SES-DF)

Médico Intensivista pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) e Médico da UTI adulto do Hospital Regional do Paranoá (SES-DF)

Rodrigo Santos Biondi, Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) e Hospital Santa Helena-DF

Médico Anestesiologista e Intensivista pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) e Médico Rotineiro da UTI do Hospital Santa Helena-DF

Sidney Sotero, Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) e Hospital Regional do Paranoá (SES-DF)

Médico Cardiologista e Intensivista pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) e Chefe da UTI adulto do Hospital Regional do Paranoá (SES-DF)

Alexandre de Almeida Lima, Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) e Hospital Regional do Paranoá (SES-DF)

Médico Cardiologista e Intensivista pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) Chefe da UTI adulto do Hospital Regional do Paranoá (SES-DF) 

Karlo Jozefo Quadros de Almeida, Coordenação de Pesquisa e Comunicação Científica da Escola Superior de Ciências das Saúde (CPECC/ESCS/FEPECS/ SES-DF)

Médico Clínico. Coordenador de Pesquisa e Comunicação Científica da Escola Superior de Ciências das Saúde (CPECC/ESCS/FEPECS/ SES-DF)

Fábio Ferreira Amorim, Coordenação de Pós graduação e Extensão da Escola Superior de Ciências das Saúde (CPEx/ESCS/FEPECS/ SES-DF)

Médico Intensivista. Coordenador de Pós-graduação e Extensão da Escola Superior de Ciências das Saúde (CPEx/ESCS/FEPECS/ SES-DF)

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Published

2018-03-22

How to Cite

1.
Guia CM, Biondi RS, Sotero S, Lima A de A, de Almeida KJQ, Amorim FF. Perfil epidemiológico e preditores de mortalidade de uma unidade de terapia intensiva geral de hospital público do Distrito Federal. Com. Ciências Saúde [Internet]. 2018 Mar. 22 [cited 2024 May 19];26(01/02). Available from: https://revistaccs.escs.edu.br/index.php/comunicacaoemcienciasdasaude/article/view/156

Issue

Section

Saúde Coletiva

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