Programa Mais Médicos – Dois anos: mais saúde para os brasileiros

Autores

  • Sandra Mara Campos Alves

DOI:

https://doi.org/10.51723/ccs.v27i03.79

Resumo

O Programa Mais Médicos, instituído em 2013, por meio de Medida Provisória (MP nº 621, de 8 de julho de 2013), posteriormente convertida na Lei nº 12.871, de 22 de outubro de 2013, enfrentou forte oposição da classe médica, e recebeu amplo apoio dos gestores de saúde municipais e estaduais.
Apoiado em quatro grandes eixos ‑ (1) a melhoria em infraestrutura e equipamentos para a saúde, (2) a expansão do número de vagas de graduação em medicina e de especialização/residência médica, (3) o aprimoramento da formação médica no Brasil, e (4) a chamada imediata de médicos para regiões prioritárias do SUS, intitulada Projeto Mais Médicos para o Brasil – o PMM foi uma iniciativa singular do governo federal com vistas ao enfrentamento de questão crônica no Brasil, que  é a escassez de médicos, especialmente para atuar no âmbito da atenção básica.
A obra, editada pelo Ministério da Saúde após dois anos de lançamento do Programa, tem o condão de apresentar uma primeira avaliação institucional dessa ação, elencando os seus principais resultados.
A obra é dividida em 3 (três) partes, além da introdução e um capítulo dedicado às considerações finais. Já na introdução, é destacado que o PMM está inserido em um conjunto de iniciativas adotada pelo governo federal, e que tem o condão de reformular políticas públicas, notadamente no âmbito da Atenção Básica (AB), por meio da Estratégia de Saúde da Família (ESF). A dificuldade de provimento e retenção de profissionais médicos em determinadas áreas, é uma das dificuldades relatada na publicação como um forte e persistente obstáculo à expansão da ESF.
Outro ponto de destaque são as dimensões de resposta que o Programa Mais Médicos pretende alcançar. Primeiramente, com uma resposta imediata e sustentável consistente na formação e provimento de médicos, para atuar na AB, em áreas eleitas como prioritárias, seguido de um conjunto de medidas de médio e longo prazo, que se relacionam diretamente com o processo formativo do médico (número de vagas, mudanças curriculares, criação de novos cursos de medicina, etc.). Ademais, também está incluso nesse conjunto de ações a qualificação da estrutura das unidades básicas de saúde (UBS).
Com esse conjunto de ações, orquestradas de forma sinérgica, o governo brasileiro pretende atingir, até 2016, a proporção de 2,7 médicos para cada mil habitantes, melhorando substancialmente a marca na época do lançamento do PMM, em
2013, de 1,8 médicos por mil habitantes.
A Parte 1 do livro, intitulada A situação da Atenção Básica à Saúde, da insuficiência de médicos e da formação médica que exigiu a construção de políticas públicas, apresenta, em sua parte inicial, todo um conjunto de dados que demonstraram, de forma inequívoca, a necessidade de uma atuação mais incisiva, por parte do governo federal, no sentido de efetivar ações com vistas ao fortalecimento da atenção básica em saúde, tendo como base os pressupostos da nova Política Nacional de Atenção
Básica (PNAB), publicada por meio da Portaria GAB/MS nº 2.488/2011.
Destaca ainda que a questão da insuficiência de  médicos – diretamente enfrentado pelo PMM ‑ era um dos pontos de consenso entre governos federal, os órgãos representativos dos gestores de saúde estaduais e municipais, e o Conselho Nacional de Saúde. De forma complementar, essa necessidade também foi apontada pelos usuários, por meio de pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
Adiciona‑se ainda dados da demografia médica, que demonstraram não apenas a insuficiência desse relevante recurso humano para a saúde, mas também sua má distribuição entre as unidades da federação, com concentração nas capitais e grandes centros tecnológicos. Os dados apontaram ainda para a questão do ensino médico, e a insuficiência dos egressos para atender a demanda de postos de trabalho.
A exposição desse conjunto de fatores serve para compreender que a decisão de lançar o PMM foi fortemente baseada em dados objetivos que conduziram a uma estagnação do avanço da ABS, por meio da Estratégia da Saúde da Família, e
anteriormente por meio do Programa de Saúde da Família, nos anos de 1990.
Nesse sentido, a publicação segue elencando várias medidas que foram tomadas no período que antecedeu ao lançamento do Programa Mais Médicos ‑ Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade (2011); Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (2011); Programa Telessaúde Brasil Redes (2011),
etc. – como uma tentativa de solver os desafios já elencados na obra.
De modo mais detalhado, a primeira parte do livro também se debruça sobre a temática do ensino médico brasileiro, suas dificuldades, deficiências e necessidades de reformulação curricular, incluindo nesse debate não apenas o ensino de graduação, mas também a residência médica. Nesse sentido, demonstra como essa regulação “frouxa” contribuiu, ao longo dos anos, para o agravamento da questão da escassez de médicos e do despreparo desse profissional para atuar no Sistema Único de Saúde.

Ainda seguindo a linha descritiva, a segunda parte do livro, que tem como título Programa Mais Médicos: eixos e inovações, após retomar novamente argumentos já apresentados na primeira parte e na introdução da obra, apresenta os três eixos de atuação do PMM, a saber: 1) provimento emergencial; 2) qualificação da estrutura da atenção básica e 3) formação médica.
O primeiro eixo apresenta a concepção do Projeto Mais Médicos para o Brasil (PMMPB), a partir da perspectiva de integração ensino‑serviço. E após, passa a descrever, com detalhes, como são realizadas as adesões dos municípios ao projeto, e
o processo de solicitação e distribuição das vagas disponíveis no projeto.
Relata os critérios de priorização na escolha dos médicos estabelecidos na lei; e o estabelecimento de cooperação com a Organização Pan‑Americana da Saúde (OPAS/OMS), em 2013, que, por sua vez, estabeleceu cooperação com o governo cubano com o fito de trazer os profissionais necessários ao preenchimento total das vagas ofertadas pelo projeto. Descreve ainda como se dá o registro desse profissional médico, no Brasil, para aqueles que não o possuem.
Segue  expondo  o  processo  de  acolhimento, as  atividades  de  aperfeiçoamento,  e  o acompanhamento dos profissionais por seus tutores. Informa ainda sobre o apoio clínico e pedagógico, e o acesso a informações atualizadas, como uma estratégia para incrementar a qualificação ‑ Portal Saúde Baseada em Evidências e Comunidade de Práticas.
No segundo eixo, a obra se volta a detalhar o que foi investido em recursos financeiros a partir da previsão legal de “dotar as Unidades Básicas de Saúde com qualidade de equipamentos e infraestrutura” (Lei nº 12.871/2013). Narra a imortância do Programa de Requalificação das UBS (Requalifica UBS), lançado em 2011, e que, de forma conjunta com o PMM, desenvolveu o eixo de qualificação da estrutura das unidades básicas de saúde.
Destaca que foi o programa de maior investimento em infraestrutura na atenção básica já realizado no Brasil. O investimento foi feito prioritariamente em reformas e ampliações, construções de novas unidades básicas e estruturação das UBS fluviais,
sem olvidar o componente eletrônico. Um outro ponto relevante é a alteração no padrão das UBS, ampliada  para  uma  área  mínima  de  300m2, permite também ampliar a oferta de serviços.
No terceiro eixo, o ponto focal é a formação médica, tanto no âmbito da graduação como da residência médica/especialização. Afirma ser esse o eixo estruturante e com efeitos mais significativo a médio e longo prazo.
A partir de uma proposta de reorientação dos modelos curriculares dos cursos de medicina pretende‑se formar um profissional com habilidades e competências para atuar no sistema público de saúde, com equipes multiprofissionais, e que perceba o indivíduo em sua integralidade, e não apenas dentro do contexto da doença. Medida que também gerará grandes reverberações, é a exigência de cumprimento de carga horária mínima de 30% (trinta por cento), no internato, em serviços de atenção básica e de urgências e emergências do Sistema Único de Saúde.
No âmbito dos programas de residência médica, a obra destaca a centralidade que a residência em Medicina Geral de Família e Comunidade passa a ter, uma vez que foi considerada como pré‑requisito aos programas de residência que não são de acesso direto. O objetivo é que esse médico, antes de se tornar um especialista, tenha a formação necessária para realizar o cuidado integral da pessoa.
Outra  dimensão  analisada  nesse  eixo  foi  a necessidade de aumento do número de médicos e especialistas. Por meio de um processo de regulação de vagas pelo Estado, o componente “necessidade  social”  será  utilizado  para  esse processo, apontando para uma interiorização dos cursos, e equilíbrio de vagas entre as regiões do Brasil. Nesse sentido, a expansão das escolas médicas públicas e privadas passa a ser acompanhada de modo mais próximo pelo Estado.
No campo das especialidades, essa regulação está sendo iniciada por meio da criação de um Cadastro Nacional  de  Especialistas,  alimentado  pelo Conselho Federal de Medicina e as associações médicas, e que permitirá identificar as necessidades
de especialistas para cada região.
Por fim, a obra apresenta a figura do Contrato Organizativo de Ação Pública de Ensino‑Saúde (COAPES) como uma estratégia para garantir precipuamente a integração ensino‑serviço a partir da pactuação firmada entre as instituições públicas e privadas que ofertam cursos de graduação de medicina e residências médicas, e os gestores de saúde (locais e regionais).

Detalhar os novos instrumentos como o COAPES, Cadastro Nacional de Especialistas e explicar as mudanças que serão geradas com a adoção da residência em Medicina Geral de Família e Comunidade como pré‑requisito para as especialidades médicas
que não são de acesso direito, é de grande relevo para a compreensão da envergadura do programa.
Ademais, as diversas publicações que versam sobre o Programa Mais Médicos estão voltadas a análise da sua implementação, não trazendo à lume essa preparação prévia indispensável a viabilização das várias dimensões que compõem o projeto. Nesse sentido, a obra se mostra inovadora e necessária.
A Parte 3 do livro, que é o seu coração, aborda o processo de implantação do PMM no território brasileiro. Apresenta os resultados relacionados as dimensões de provimento emergencial; melhoria da infraestrutura e formação médica (graduação e
residência).
O PMM apresentou dados que comprovaram a importância e a envergadura do projeto para a garantia do direito à saúde, por meio da dimensão de acesso aos serviços. Após a realização de 6 (seis) chamamentos, contabilizados até o primeiro
semestre de 2015, um total de 18.240 profissionais responderam ao chamado, sendo 5.274 portadores de registro no conselho profissional no Brasil; 11.429 intercambistas cooperados (Cooperação MS/OPAS/governo Cubano) e 1.537 intercambistas individuais.
Esses profissionais foram distribuídos nas cinco regiões, especialmente em municípios com alta vulnerabilidade social; ou com mais de 20% da população vivendo em extrema pobreza; e ainda em distritos sanitários especiais indígenas. Com esse aporte, o crescimento de médicos foi de 12,7%, comparando os dados de 2012 até junho de 2015.
A avaliação feita usando como base os indicadores quantidade de médicos lotados em UBS admitidas pelo PMM, em equipes de saúde da família, e médicos lotados em UBS, e cumprimento de carga horária de 40h na AB, demonstrou que o incremento
foi positivo na evolução da AB, especialmente junto aos municípios que aderiram ao programa, o que também resultou no aumento da cobertura populacional.
Sobre a melhoria da infraestrutura 45,6% das obras já foram concluídas, significando 1.577 novas UBSs; 9.011 UBSs reformadas e/ou ampliadas, além de 2 UBSs fluviais. Ademais, 47,6% estão em processo de execução, e apenas 7,1% não foram iniciadas, com destaque, nesse último item, para a grande quantidade de UBS fluviais 28  que ainda não foram inicializadas.

Os argumentos colacionados para justificar o baixo número de UBS fluvial executada, além da própria complexidade do projeto, é o número menor de executores que podem ser contratados para tal tarefa (no caso estaleiros) e a deficiência de expertise própria para acompanhar os projetos nos municípios (engenheiros com conhecimento na área de construção naval). Nesse sentido, a oferta de um projeto padrão de UBS fluvial feito pelo Ministério da Saúde de modo gratuito, contribui
sobremaneira para alavancar as obras a partir de 2013.
 Por fim, os avanços no âmbito da formação médica são demonstrados por meio da aprovação, em 2014, das novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de medicina. Essas alterações apresentam um novo paradigma no ensino
médico, com uma formação mais emancipadora e socialmente contextualizada, voltada para a interação ensino‑serviço. De forma adicional, essas reformas curriculares passam a perceber o  SUS  como  o  ordenador  da  formação  dos recursos humanos em saúde, conforme dispõe a Constituição Federal.
As reformas incidem ainda na carga horária do internato, e especialmente, no tempo dedicado ao treinamento no âmbito da atenção básica. Essas mudanças, especialmente as concernentes a integração ensino‑serviço serão respaldadas pelos
COAPES.
Nesse contexto, não poderia ficar de fora a mudança também no perfil do docente, que deve estar constantemente aprimorado e envolvido com o projeto pedagógico do curso, e não mais apenas focado em sua disciplina. Para tanto, os Ministérios da Saúde e da Educação ofertarão cursos de mestrado profissional aos médicos nas
regiões em que forem instalados os novos cursos de graduação e residências profissionais.
A obra destaca ainda os dados relacionados a abertura de novos cursos de medicina e como isso pode auxiliar no atingimento da meta de 2,7 médicos por 1000 habitantes no ano de 2016.
No âmbito das residências médicas, a Resolução nº 1/2015, da Comissão Nacional de Residência Médica, passou a regulamentar o Programa de Residência Médica em Medicina Geral de Família e Comunidade, com o estabelecimento de requisitos
mínimos, competências necessárias, desejadas e avançadas, buscando assim, qualificar cada vez mais, essa importante especialidade médica.
Destaca ainda a ampliação de vagas nos programa de residência médica, após o financiamento do Ministério da Saúde, por meio de bolsas.
Em que pesem várias pesquisas já publicadas apresentarem resultados positivos no âmbito da implementação do PMM, essa publicação oficial do Ministério da Saúde além de apresentar dados nacionais, também fornece elementos relevantes sobre os aspectos preparatórios de várias dessas ações, os obstáculos enfrentados, e as soluções que foram tomadas. Demonstram ainda as relações institucionais que foram tomadas para o atingimento dos objetivos do programa.
As considerações finais apontam para a aprovação e o sucesso do PMM nesse período, confirmado por pesquisas realizadas por um pool de universidades e institutos de pesquisa, sobre os mais variados aspectos (satisfação do usuário; estrutura da UBS; comunicação com médicos estrangeiros, etc.). E assim, refutam várias críticas e dúvidas que foram colocadas quando da apresentação da proposta.
A obra, analisada em sua completude, é bastante repetitiva e descritiva, e se assemelha mais a um relatório técnico do que efetivamente uma publicação científica. Todavia, é de leitura obrigatória para quem pretende compreender as minúcias e meandros que foram considerados antes e durante a decisão de implantar um projeto com essa envergadura.
Proceder uma análise aprofundada com apenas dois anos de implementação de suas ações não permite vislumbrar os resultados em todas as suas dimensões, tendo em vista especialmente a existência de ações de médio e longo prazo que precisam
ainda ser efetivadas, e essa é uma forte limitação da obra. Todavia, dado o volume de dados já produzidos, e que se pode constatar na apresentação dos mesmos ao longo do texto, foi acertada a escolha de divulgá‑los de modo oficial.
A mudança de governo recente, deixa dúvidas sobre o processo de continuidade do Programa Mais Médicos na forma como foi concebido, o que também deve ser considerado em análises futuras.
À sociedade, defensores da saúde e do SUS, resta vigiar e atuar para que disputas políticas e partidárias não maculem os objetivos finalísticos do projeto, pois ofertar saúde de qualidade aos seus cidadãos deveria ser a preocupação precípua de toda nação que se diz democrática.

Downloads

Não há dados estatísticos.

Downloads

Publicado

21.12.2017

Como Citar

1.
Alves SMC. Programa Mais Médicos – Dois anos: mais saúde para os brasileiros. Com. Ciências Saúde [Internet]. 21º de dezembro de 2017 [citado 29º de abril de 2024];27(03):233-8. Disponível em: https://revistaccs.escs.edu.br/index.php/comunicacaoemcienciasdasaude/article/view/79

Edição

Seção

Saúde Coletiva

Artigos mais lidos pelo mesmo(s) autor(es)